Dando continuidade ao meu rol de entrevistas às pessoas que representam os meus "outros significativos", apresento Estrela Paulo, treinadora-adjunta da ADC Gualtar e membro essencial na equipa. Promove a interactividade de forma educativa, dinâmica e muito divertida. Procura o bem-estar das atletas sempre através do diálogo. Pessoalmente tem sido um privilégio conhecer cada vez mais as suas qualidades.
Vamos conhecê-la um pouco melhor...
Mélissa: Falamos imenso e já tive muitas oportunidades para a interrogar acerca deste assunto, mas nunca o fiz. Como é que surgiu o futsal na sua vida e qual o seu percurso até chegar à ADC Gualtar?
EP: Enquanto professora de Matemática, e como deves calcular, nunca me passou pela cabeça ligar-me ao desporto.
Sempre pratiquei várias modalidades e sempre tive um carinho especial pela bola, mas daí a entrar desta forma numa modalidade, não estava mesmo nos meus horizontes. Entretanto e com alguma surpresa a ADER Mogege convidou-me a mim e ao Bruno para avançar com um novo projecto e devo dizer que até foi fácil convencer-me porque gosto de desafios.Após aceitar o convite houve necessidade de desenvolver um trabalho específico, que parecia condenado ao fracasso face às conjecturas que atravessava a ADER Mogege. Nunca deixamos de acreditar e levamos o projecto de 2 anos até ao fim e esse fim coincidiu, precisamente, com a criação do novo projecto na ADC Gualtar.
Mélissa: E desde então está de corpo e alma nesse projecto. Quer descrever-nos de que forma se empenhou e tem empenhado para a existência da nossa equipa?
EP: É mesmo como dizes... de corpo e alma, talvez porque sinta que parte de mim está no projecto.
Olhando para trás, posso dizer que foi tudo muito simples, apesar de ser complexo formar uma equipa. A ideia surgiu da necessidade de juntarmos um conjunto de atletas que na altura se davam bem e que por diversos motivos estavam em equipas diferentes. Tínhamos relações de amizade e não fazia sentido continuar a lutar por emblemas diferentes. Dessa forma, a ideia foi ganhando contornos e depois foi só passar para o papel, criando assim o projecto. Já com o projecto, com patrocinador e atletas, não foi difícil arranjarmos uma equipa a ceder o nome.
Não posso dizer que tive o papel principal, mas reconheço que talvez tenha sido a pessoa que mais acreditou e sentiu que o projecto se ia concretizar. Devo no entanto referir que grande parte das atletas são também responsáveis pelo projecto, e tu principalmente, tornando assim o projecto diferente dos demais, onde cada um tem sempre uma palavra a dizer e um papel definido e importante a realizar.
Actualmente o meu empenho é o mesmo, tal como é o empenho de todos, que se orgulham de partilhar momentos juntos, sejam eles felizes ou tristes.Mélissa: Apesar de estreantes no campeonato, a equipa tem dado muito que falar. Não acha?
EP: A equipa sempre deu que falar... aliás a equipa ainda não tinha realizado nenhum jogo oficial e já líamos aqui e ali que éramos candidatos a isto e aquilo. Compreendo que as pessoas tenham criado expectativas quando começaram a perceber as atletas que tínhamos e sejamos realistas... estreante só o nome da equipa, isto se olharmos à grande experiência das atletas. No entanto, convém que as pessoas compreendam que uma equipa não se constrói de um momento para o outro e como tal não sentimos qualquer tipo de pressão para conseguir o que quer que seja. Apenas dizer que o grande segredo é a união, é falarmos olhos nos olhos, é sabermos bem o que queremos e qual o caminho e a maior vitória, tal como já disse várias vezes, é estarmos juntos. Acredito que não seja fácil para quem está fora do grupo entender esta nossa linguagem, mas nós sentimos o que dizemos e sobretudo o que vivemos e não é por acaso que nos apelidamos de "família".
Mélissa: A forma como fala denota uma grande entrega e vai também de encontro ao papel que desempenha. Quer falar-nos sobre esse papel? Como é lidar com as "meninas" desta sua nova equipa?
EP: Esta questão não é fácil de responder. Relaciono-me facilmente com toda a gente e o que mais me caracteriza e deixa feliz é a facilidade que tenho em proporcionar o sorriso aos outros. É assim que encaro o dia-a-dia. Transportando isto para o futsal "obriga" a que desempenhe diversas funções, para que o equilíbrio se mantenha, portanto não lhe chamaria papel, porque dou comigo... a ser treinadora, a ser amiga, a ser mãe... às vezes a ser isto tudo!!! E posso dizer que actualmente me sinto feliz com a forma de estar e lidar com as minhas atletas, porque já me conhecem bem e sabem que podem contar sempre comigo. Para mim são as maiores... por tudo aquilo que são e pela constante disponibilidade em ajudarem-se umas às outras. Criam um ambiente no balneário como nunca vi e isso torna-as especiais e merecedoras de tudo o que de melhor existe.
Mélissa: Esta entrevista é para mim um grande desafio devido à grande amizade que fomos construindo fora do futsal. Tem certamente consciência que muito me tem ajudado a crescer nesta minha viragem de vida, ajudando-me a optar pelas decisões mais equilibradas e a escolher os momentos certos para agir. Como tal pedia-lhe para falar da Mélissa que conhece fora das quatro linhas.
EP: Eu conheci primeiro a Mélissa... a menina altiva, fria e de poucas palavras. Depois fui conhecendo a Verdadeira Artista, tal como sempre chamei face à grande qualidade com a bola nos pés. Mais tarde conheci a Mely, a amiga, a jovem-adulta que sabe o que quer.
Tenho tido o privilégio de acompanhar de perto as maiores transformações da sua vida e de ser chamada a dar o meu contributo, para que consiga ser cada vez melhor.
Posso dizer que o que mais a caracteriza actualmente é a vontade constante em evoluir, em crescer... A inteligência que possui leva a desafiar-se a si própria, debaixo de uma personalidade madura, capaz de pensar na melhor forma de vencer qualquer desafio. Vai deixando escapar a sensibilidade, que noutros tempos andava escondida, permitindo-lhe ser menos racional, mas mais ajustada à vida que enfrenta. Já percebeu que a humildade é um atributo que precisa de ter e vai construindo a sua vida, lutando contra os atributos menos positivos que lhe são inatos.
Mélissa: Quando estou em campo sinto que confia e acredita muito em mim. É também das pessoas que mais me exige. Gostaria que comentasse tal facto...
EP: És uma atleta de eleição e capaz de num momento de magia resolver qualquer jogo. Já te vi a fazer coisas com a bola que deixam qualquer pessoa de boca aberta. É uma delicia ver-te tratar tão bem a bola. Só posso ficar feliz por poder contar contigo. Eu e todas as pessoas da equipa confiamos e acreditamos sempre em ti... já te mostramos isto imensas vezes. Só que o talento tem um preço e como tal, o que te tento sempre mostrar é que não podes relaxar nunca mesmo tendo chegado tão longe. É que chegar ao topo não é difícil, difícil é manteres-te lá. É preciso que trabalhes para seres cada vez mais e melhor e também para nunca defraudares as expectativas que as pessoas depositam em ti, principalmente de todas aquelas miúdas que te vêem como um exemplo. É preciso também que saibas ser humilde e aceitar os momentos menos bons, aprendendo a tirar deles as melhores lições.
Reconheço que sou, talvez, a tua maior crítica, talvez porque te digo tudo aquilo que penso e porque sou sempre a primeira a apontar-te os erros, mas também sei que compreendes que aquilo que te exijo é também sequência da disciplina e rigor que impões a ti própria e tu sabes bem que esse é o caminho certo...
Mélissa: Para terminar queria agradecer-lhe tanta disciplina e também pedir-lhe para deixar uma mensagem a todos os que trabalham e acreditam no futsal feminino.
EP: Tal como já te disse por diversas vezes, a melhor forma de me agradeceres o que quer que seja é mostrares-me que hoje és melhor pessoa do que eras ontem e que amanhã ainda serás melhor... esse é o melhor dos agradecimentos. Quanto ao futsal, tornou-se o grande ícone ao nível das modalidades praticadas pelas mulheres, absorvendo em si um grande número de praticantes. Começa a ser demasiado evidente que algo tem de ser feito, sobretudo de forma a valorizar o trabalho que "estes e aqueles anónimos" têm feito e que simplesmente não têm a visibilidade merecida. Não sei se o problema passa pela reactivação da selecção nacional e/ou pela existência de um campeonato nacional. O que me parece é que no dia em que se olhar para a modalidade de forma séria, talvez se descubram as verdadeiras lacunas e como sequência a verdadeira potência que o futsal feminino já representa.
Enquanto nada acontece, ainda bem que há aqueles que trabalham em prol do futsal feminino e que são os primeiros a acreditar... a esses deixo o meu apreço, porque sei que por vezes enfrentam muitas dificuldades e das mais variadas ordens. Que continuem a acreditar tal como eu... porque a esperança está na resposta à questão: "haverá algo mais verdadeiro do que vencer a força com a razão?"